"Parecia-me quase pecado que a sua pele suave tocasse a minha, áspera da barba por fazer e suada do calor que se sentia naquela noite de Junho. E no entanto ali estávamos, sós por entre um sem número de corpos adormecidos que se espalhavam por sofás e camas improvisadas, ela dormindo de mão pousada na minha face, os nossos narizes tocando-se, os lábios a meros milímetros que me pareciam anos luz de distância, e eu acordado saboreando cada segundo, o braço esquerdo dormente, o direito envolvendo-a, a mão repousando nas suas costas acompanhando o bater do coração como se dele dependesse o meu. Não o sabia na altura mas foi a primeira vez que amei."
"Não compreendo..."
"Na manhã seguinte eu sabia que nada do que pudesse alguma vez acontecer entre nós superaria o que senti naquela noite. Despedimo-nos com promessas que nunca cumpriríamos e um olhar que me invade os sonhos até hoje."
"Isso não justifica..."
"Desde então é como se vivesse imerso num imenso nevoeiro, num turpor que não consigo afastar e que me tolda o discernimento, e é por isso, senhor agente, que nunca mais fui capaz de ter documentos em ordem."
"Pois, mas isso não faz sentido. E a verdade é que a sua viatura já devia ter ido à inspecção no mês passado, não tem o dístico do seguro visível e, francamente, o veículo está muito porco e, como tal, vai incorrer em sanção pecuniária."
"E se eu lhe disser que tenho pé-chato?"