2009-12-18

Lost in translation

"Esquece-me, boneca.", disse-lhe eu acendendo um cigarro imaginário - porque na minha sala não se pode fumar e porque eu não fumo. "Vai-te embora e esquece-me."

"Seriously, I have no idea what you're talking about. My portuguese is not that good."

"Iésse, det gúd. Ai gúd, iú gúd. Friqui friqui."

Ambos sabíamos que este dia chegaria, o dia em ela voltaria para a Holanda ou Roménia ou Suazilândia ou lá de onde é que vêm as louras altas de olhos verdes de 23 anos.

Ela olhava para o relógio constantemente, fingindo-se desinteressada, os olhos fixos na parede atrás de mim, decerto temendo perder-se numa última loucura se os nossos olhares se cruzassem.

"It was ve... it was... nice working with you.", balbuciou ela, com certeza despindo-me mentalmente, o rubor da sua face disfarçado apenas pela maquiagem desruborizante que certamente tinha aplicado, enquanto fantasiava com os nossos corpos nus em proezas desafiantes das leis da física e da Igreja Católica e degradante para todos os participantes. "Sua porca", pensei eu.

"I just came to say goodbye. I really have to go now."

Não percebi exactamente as suas palavras, mas o seu corpo gritava "toma-me, devora-me", por isso deixei a minha pélvis falar a linguagem internacional do amor.

"You're blocking the door..."

"Ai te adore tú."

Enquanto deslizava para fora da minha sala e da minha vida, levada pelas suas longas pernas - que pernas! duas! - ainda lhe sussurei ao ouvido um último adeus. "Friqui friqui."

It's just an earthquake, baby!

Compreensivelmente, o final desta semana foi marcado por conversas sobre o sismo que abalou uma boa parte de Portugal. No caso concreto da zona de Lisboa, a manhã de quinta-feira trouxe consigo a incontornável pergunta: “Sentiste?”.
Em média, cada habitante da capital deverá ter sido questionado, ou questionou alguém, sobre o estado de vibração brusca umas 873653 vezes entre as 07h38 e as 11h49 de 17 de Dezembro passado. Depois dessa hora, o acontecimento começou a perder um pouco de graça e charme, facto absolutamente natural.
Se tivesse sido um abanão de 6.3 na escala de Richter, ainda daria para esticar a conversa até às 14h58... mas 5.7?! Nunca mais do que 3h49 de interesse. Ainda por cima com o Benfica-Porto no fim-de-semana?! Impossível.
Mas voltando ao “Sentiste?”, eu não senti. Não senti mas fiquei um pouco triste e abatido. Quase deprimido. Talvez decepcionado por não poder participar activamente nas conversas sobre o fantástico mundo sísmico.

2009-12-17

Gotta catch 'em all

Sou só eu ou mais alguém acha que Tamiflu mais parece o nome de uma prima do Pikachu?

Impressão digital

Tenho quase a certeza que as estagiárias que aqui andam são, de facto, escolhidas a dedo.

2009-12-16

Mamma mia

Quando andava na primária e a turma saía da escola para ir ao jardim ou qualquer outro local, a professora obrigava-nos a ir dois a dois, em fila indiana, de mão dada a outro miúdo qualquer. E às vezes saía-me como par o puto piolhoso cheio de ramelas, com um fio de ranho do nariz até à boca, que comia terra dos vasos e colava burriés no bibe. Calculo que seja mais ou menos assim que se sintam os Stooges, que vão ser adicionados ao Rock and Roll Hall of Fame juntamente com os ABBA.

The lady is a tramp

Acho um bocadinho deselegante que lhe chamem Sra. Gaga só porque não consegue dizer "poker". Era como se agora começassem a tratar o Dr. House por Sr. Coxo.

Full house

A próxima pessoa que me aparecer a cantarolar "po-po-po-po-po-poker face" bem pode ir po-po-po-po-po-poker alho.

Lookout!, he is a spider pig

Disseram-me que o melhor para prevenir o contágio de gripe A é andar de máscara. Parece-me um bocado pateta mas tudo bem, mais vale prevenir que remediar. Por isso hoje vim mascarado de Homem-Aranha.

2009-12-15

Boris the spider

Está tanto frio que a aranha que vive entre a janela do meu quarto e o estore tinha, esta manhã, um gorro e um anorak.

Let the motherfucker burn

Daqui a pouco vou ter uma formação de Prevenção Contra Incêndios - obrigatória - que tem uma duração estimada de três horas. Mas tanto tempo para quê? Demora assim tanto a dizer "não chegues lume a cenas, pá"?

Além disso, quaisquer instruções que me dêem, a menos que seja "pisga-te, chaval", são em vão, que eu estou a menos de dez segundos da porta de saída e se acontecer alguma coisa não vou ficar por aqui a "ajudar" e "salvar" e "ser um ser humano decente". É para isso que servem os escuteiros.

2009-12-14

Queer Eye For The Sith Guy

Depois de décadas a aterrorizar galáxias distantes num estilo que lhe valeu uma reputação sombria e muito poucos amigos, Darth resolveu recorrer à ajuda do Esquadrão G.

Ponto come

Já ando nisto da internet há muitos anos. Não quero parecer imodesto, mas já vi tudo o que há para ver. Passei boa parte de 1998 a queimar as retinas a ver minúsculas fotografias da Jenna Jameson e da Chasey Lain num monitor de quinze polegadas cujas radiações dariam para descongelar uma sopa em dez minutos. Já vi um homem com o pénis na boca de um peixe - não perguntem - e já vi mulheres introduzindo dentro de si uma vasta gama de electrodomésticos, mobiliário e objectos avulsos, desde pinos de bólingue a cones de sinalização rodoviária e maçanetas de portas.

Tenho uma colecção de amigos que me enche a inbox quase diariamente com e-mails cheios de fotografias de jovens de cabelo oxigenado escachadas à beira de uma piscina ou em cima de um carro impecavelmente encerado, ou com vídeos de trinta segundos de casais - às vezes trios, outras vezes equipas de futebol - expressando carnalmente o seu amor, que apago sem sequer abrir.

Já me foram apresentadas vantajosas propostas financeiras por príncipes nigerianos e banqueiros sul-africanos. Já me foi sugerido, não obstante o exagero em que isso redundaria, o aumento de tamanho do meu orgão sexual. E levando em conta a quantidade de correntes que quebrei ao não as enviar para sete, dez ou mais amigos, o simples facto de ainda estar vivo não é nada menos que um milagre.

Aquele vídeo do senhor que se suicida numa esquadra? Vi-o com um bocejo. Two Girls And One Cup? Vi-o a comer bolo de chocolate e depois ainda repeti. Snuff, pornografia alemã e japonesa, piercings genitais e vídeos dos Delfins, todos os horrores já me passaram pela vista.

Pensei que já nada na rede global me podia surpreender. Isto é, até ontem, porque aparentemente, algures na internet há um buraco no contínuo espaço-tempo que fez com que eu recebesse um e-mail de há dez anos atrás - aquele que diz que a Microsoft e a AOL estão a dar dinheiro por cada reenvio que façamos. Bom, ou isso ou ainda há alguém que acredita nisso e, convenhamos, a primeira hipótese parece-me bem mais verosímel.

Rudolph the Red knows rain, dear

Problemas renais, para o Pai Natal, é quando as renas fazem greve.

Polly wants a cracker

O meu tio Alípio farta-se de falar dos bicos de papagaio. O que eu nunca tive coragem de lhe perguntar é como é que ele os convence.

2009-12-11

Tango & Cardboard

Ontem, pela primeira vez, escolhi pagar o jantar com cartão em vez de dinheiro como é meu hábito. A refeição custou-me uma caixa de frigorífico e duas de LCD de 42 polegadas, e, como fui bem servido, ainda deixei duas embalagens de Chocapic como gorjeta.

2009-12-10

Cookie, cookie, cookie

"Pá, ó jovem, orienta-me aí uma bolacha", disse eu ao rapaz à porta do hipermercado, que se limitou a olhar para mim com ar de parvo. "Vocês não são do Banco Alimentar Contra a Fome? Pois eu cá estou com fome, que hoje não almocei, o que é que vocês vão fazer em relação a isso? Para mais, em 1998 depositei um pacote de bolachas Maria e por esta altura, com os juros, já deve estar em, pelo menos, um sortido rico. E agora quero levantar uma bolachinha. Duas, vá."

Começou com historietas, que não era assim que funcionava, que frito e cozido, caridades, ajudas e tretas afins. Tentei manter-me calmo mas a bílis começava a corroer-me as paredes do estômago.

"Chaval, estás a armar em mete-nojo porquê?", perguntei abrindo os braços, o canto esquerdo do lábio erguendo-se mostrando um incisivo e o canino. "Estou a falar mal contigo, sócio?"

Ele insistia que não me podia dar nada e que o tio era polícia e que mais não sei o quê. Naturalmente comecei a perder a calma e, como é meu hábito nessas ocasiões, o meu discurso passou a ser acompanhado por um intenso gesticular e ocasionais agarrões à minha genitália, tipo Michael Jackson mas sem moonwalk nem pedofilia.

"Bacano, estás a stressar comigo? Sabes de onde é que eu sou? Campo d'Ourique City, puto! Já chinei drédes por cromos do Itália 90; o que é que achas que te faço a ti, ó morango com açúcar? Vou à mala do carro buscar o guarda-sol e faço-te uma espera ali na esquina - levas uma chapelada tal que até viajas no tempo."

Em retrospectiva percebo que não lhe devia ter dito onde é que ia fazer a espera, porque fiquei lá até às onze e meia da noite e o tipo não apareceu.

Seja como for, estou convencido que no fundo tudo não passa de uma fraude. De certeza que há alguém que todos os anos enche a despensa à conta do sentimento de culpa momentâneo da classe média. "Sim, sim, encham uns contentores de paparoca e tragam cá a casa que eu tenho aqui selos e depois mando isso para África um dia destes sem falta. Por correio azul."

2009-12-09

O Marco Bellini é que sabe

Bem sei que a culinária não é o meu forte, mas há algo que, por mais que pense, não percebo: se a alma é algo de etéreo e imaterial como é que as conseguem enrolar em pão ralado e fritar de maneira a fazer as almas panadas?

I love boo

Um threesome espiritual com almas gémeas, isso é que era...

Love burns

Fogo que arde sem se ver não é amor, é gonorreia. Vejam lá isso.

I love moo

Um triâgulo amoroso pode ser isósceles ou equilátero. E nalgumas aldeias do interior até pode ser escaleno.

O rapaz do cubo mágico

Quando a minha turma do nono ano ia em visitas de estudo havia sempre cantoria durante a viagem de autocarro. Da que me lembro melhor é de uma que alguém inventou para gozar com o puto húngaro do 9º 5ª - acho que se chamava Erno Rubik - e que era mais ou menos assim:

Se tu visses o que eu vi
Lá para os lados do Barreiro
O Erno a levar no cubo
e a dizer que era porreiro

2009-12-03

Tu aí...

... parabéns, pá. A ti por teres nascido, à tua mãe por te ter gerado, carregado e dado à luz após mais de doze horas de trabalho de parto e ao teu pai por aqueles dois minutos de há nove meses atrás.

Agora vê se cresces depressa e te fazes um valente, para dares continuidade ao nosso nome e, sobretudo, para começares a levar as amigas lá a casa para o primo conhecer, ok? Mas amigas jeitosas, hã? Vê lá isso.

Pronto, vai lá à tua vida que eu fico aqui a aturar os teus pais, que agora vão passar a ser daquelas pessoas que só falam sobre bebés e sobre o quão adorável tu és e como é bonito quando bolças e te borras e que fazes bolhinhas com a boca e que já dizes "blurg", que é quase quase como "papá" ou "mamã" ou qualquer que seja a fantasia que tiverem nesse momento, e que és muito esperto e que és um menino muito bonito, ai pois és, ai pois és, e isso tudo.

Caraças pá, acho bem que as miúdas valham a pena, é só o que eu te digo.

2009-12-02

Amiga Teenage Riot



Já que estamos numa de recordações. Vou recordar o dia 22 de Dezembro de 1993. 00h01. Eu a jogar Syndicate no Commodore Amiga. Lembro-me como se tivesse sido ontem. Como se tivesse sido há bocado. E já passaram 16 anos. Foram rápidos.
Também me lembro que estava mais nervoso do que nunca, não conseguindo parar um segundo. O coração batia fortemente, as dificuldades de concentração eram enormes e o ritmo de mudança de jogo para jogo era altíssimo.
Se às 00h01 estava a combater com o meu gang, às 00h16 estava a combater nazis em Wolfenstein. Carne para canhão, portanto. Com as 00h31 veio a mudança para Civilization. Cada segundo cada batalha na minha luta para dominar o mundo.
As 00h46 trouxeram Turrican. Nem a música de Chris Hulsbeck conseguiu que eu desse um passo sem que fosse ao encontro do Criador. As 00h59 fizeram-se acompanhar por Rainbow Islands. Cada salto dado resultava em menos uma vida, dando a sensação que as aranhas de grandes olhos tinham uma questão pessoal para resolver comigo. Desisti.
Chegou a 01h07 da madrugada, altura certa para trocar de disquete. Kick Off tomou conta do monitor, bastando um trio de minutos para que já tivesse sofrido quatro golos. Completa e total humilhação futebolística vídeojogável. 01h25... “altura certa para Wings,” pensei eu no alto da minha ingenuidade. Escusado será dizer que fui miseravelmente abatido vezes e vezes sem conta. Nem um tiro certeiro. Nada. Nulo.
“Beach Volley! É isso mesmo! É esse que me irá acalmar! Praia, sol, areia e bolinhas digitais,” disse em voz alta. 01h24 da madrugada. Obviamente que não conseguiu. Nem um pontinho. Nem meio. Arrasado e pulverizado na obra da Ocean. Posso afirmar que me senti nu.
Sentindo-me nu fui buscar as 4 disquetes de "Leisure Suit Larry" e pronto, relaxei.
Por fim, adormeci. Eram 04h07 da madrugada de 22 de Dezembro de 1993. Lembro-me como se tivesse sido ontem. Há bocado.

A verdade apanha-se com enganos

Um dia acorda, vê-se ao espelho e não se reconhece. Metade da sua vida já passou e a única coisa que tem para mostrar é uma rotina que o enoja e que não suporta. Partilha uma vida patética com alguém que o tolera e com quem tem em comum apenas o medo de morrer sozinho.

Tem filhos que não o respeitam, que o vêem como... como ridículo, como um embaraço que não podem esperar por largar. No fundo não os culpa, deseja apenas que não o odeiem, que não cometam os mesmos erros e que um dia alcancem aquilo que nunca conseguiu: a felicidade.

Chora nos braços das mulheres a quem paga por sexo, as únicas que lhe dizem que é um homem, um homem bom, as únicas que o fazem sentir humano. Sabe que é falso, um artifício profissional, mas não se importa, porque qualquer vislumbre de empatia, por ténue que seja, é uma dádiva.

Cumpriu todas as regras, fez tudo o que era esperado de si. Foi um bom filho, um bom estudante, um bom cidadão. Cumpriu todas as ordens e não fez perguntas que não devia. Nunca praguejou à frente dos seus avós, pais ou filhos. Foi temente a Deus, não matou nem cobiçou. Chorou nos funerais de pessoas por quem nada sentia e brindou à felicidade de quem nada lhe importava.

Enche-se de ansiolíticos, mas não existem químicos que lhe devolvam o tempo perdido.

A sua vida é vazia de significado. A sua vida é fria e árida.

Vale a pena? Pergunte isso a si próprio. Vale a pena?

O que eu estou a tentar dizer, stôr, é que não, não fiz o TPC, mas não acha que tem coisas mais importantes com que se preocupar?