2004-11-29

Porque este é um assunto que nunca cansa...

Será que quando um peixe cai de amores por uma peixa isso quer dizer que ele está apeixonado?

...

Estou a passar ao lado de uma grande carreira como humorista. Mesmo muito ao lado.



O impacto social da carpa canadiana

Alguém me sabe explicar qual é a utilidade do peixe enquanto animal de estimação? Ele não brinca connosco, não nos guarda a casa, não nos faz companhia, não se lhe pode fazer festas sem ficar com a manga da camisa encharcada, não diz "louro quer bolacha" nem nos podemos montar nele para dar passeios. Não faz nada a não ser nadar de um lado para o outro, coisa que é tão interessante de ver como cotão a acumular no umbigo. Poder-se-ia dizer, portanto, que um peixe como animal de estimação é tão útil como um vendedor de gelados no polo sul.

Na minha opinião alguém que decide que tem de comprar um aquário para se entreter é uma pessoa deveras solitária. Porque convenhamos, uma pessoa que considera que um peixe a vai distrair tem uma vida tão chata, tão fastidiosamente monótona, que nem sequer existem palavras que consigam descrever o tédio em que essa criatura está mergulhada. É o tipo de pessoa que gosta de receber chamadas de tele-marketing só para ter alguém com quem conversar. É o tipo de pessoa que as Testemunhas de Jeová e os Elders evitam por acharem que é chata. É o tipo de pessoa que espeta um garfo no olho só para disfrutar do convívio da sala de emergências do hospital. Enfim, é uma pessoa como eu mas com um peixe.

Mas o que estas pessoas parecem não compreender é que ao adoptarem um desses bicharocos estão apenas a descer mais um degrau da escada social e, consequentemente, a diminuir a probabilidade de contacto com outros seres humanos, para já não falar da quase nula possibilidade de acasalamento. Porque se é verdade que a maioria das meninas se derrete com animais "fofinhos", como cãezinhos, gatinhos e bebés, já o mesmo não se passa com os animais escamosos. Eu pelo menos nunca vi ninguém engatar alguém com um aquário na mão. É que não dá para fazer conversa nenhuma com as garinas, porque ao contrário da filatelia - não há miúda gira que não goste de selos - a peixofilia não tem qualquer sex appeal.


"...e é por isso que a carpa canadiana é estrábica. A propósito: não queres ir lá a casa ver o meu peixe?"
"Ver o teu... peixe?"
"Sim, é um Guelrus Barbatanus Horrendus japonês de água doce. E depois podíamos beber um sumo, comer uma pipoca... e deixávamos o resto da noite por conta do destino."
"Pois, era giro... mas não vai dar. Hoje tenho de... aahhh... preencher os papéis do IRS."
"Ah. Então e se fosse amanh..."
"Também não. Amanhã vou para o Sri Lanka logo de manhãzinha. E já não volto. Nunca mais. Temos pena."

Portanto, a menos que pretendam enveredar pela carreira de monge tibetano devoto à solidão e ao silêncio, pensem duas vezes antes de comprar um peixe.

2004-11-17

Tristessa

Gosto de estar de mãos dadas com alguém. Gosto de sentir a pele quente a contrastar com a minha normalmente gélida palma. Aquece-me o coração e dá-me um certo conforto infantil, talvez por me lembrar de quando era pequenito e tinha de dar a mão à minha avó para atravessar a rua em segurança. Quando vou no metro ou no autocarro, e me sinto triste ou melancólico, e com vontade de chorar como aquelas pessoas no vídeo clip do "Into My Arms" do Nick Cave, dou a mão a alguém. A uma pessoa qualquer, a quem estiver mais perto de mim, tanto faz. Normalmente as pessoas assustam-se e berram-me e dão-me joelhadas. Não é bonito. Outras pensam que sou atrasado mental, tentam limpar-me a baba do queixo, perguntam-me para onde vou e se preciso de ajuda. Quando percebem que afinal sou "normal", berram-me e dão-me joelhadas. É doloroso por causa da rejeição e por causa das nódoas negras. Tenho as pernas todas marcadas e, inclusivé, a médica já me disse que provavelmente nunca poderei ter filhos. E depois pediu-me que lhe largasse a mão.

2004-11-16

A menina dança?

Se é verdade que nunca foi o meu sonho de criança exercer a profissão que tenho hoje, também é verdade que há escolhas mais estranhas que a minha. Por exemplo, o que é que leva uma pessoa a enveredar pela carreira de traficante de órgãos? O pagamento se calhar até é bom (não sei quanto está a valer um rim no mercado negro) mas em termos de realização profissional deve deixar algo a desejar, não devem ter seguro de saúde e o stress deve ser bastante. E não me parece que seja um bom tópico de conversa nas festas, entre um e outro martini.
"O que é que você faz?"
"Trafico órgãos humanos."
"Desculpe?..."
"Trafico órgãos humanos. A minha amiga prostituta atrai os homens para um quarto de hotel e põe-nos inconscientes, eu abro-os como se fossem porcos em dia de matança, saco-lhes uns orgãos e deixo-os numa poça do seu próprio sangue com um penso rápido e um cartão de agradecimento. Adoro esta música... a menina dança?"
É que, ao contrário desta, há outras actividades ilegais com um certo glamour, como ladrão de jóias ou de arte. As mulheres pensam logo no Pierce Brosnan ou no Sean Connery e já é meio caminho andado, mas nesta linha de trabalho deve ser difícil convencer alguém a dormir connosco porque elas nunca sabem quando é que vão acordar dentro de uma banheira cheia de gelo ou, muito simplesmente, abrir o frigorífico e encontrar um tupperware com um fígado lá dentro ao lado do frasco da maionese.
E deixem-me dizer, desde já, que se alguma dessas redes de tráfico de órgãos alguma vez me quiser roubar alguma coisa, basta aliciarem-me com comida. Não são precisas mulheres fatais, apenas um eclair ou um travesseiro.
"Ó jovem, anda ali atrás àquele barracão escuro connosco."
"Nããã... Eu não vos conheço de lado nenhum e vocês, com essas batas ensanguentadas e esses bisturis, têm um ar suspeito."
"Mas há lá bolos."
"Ah, então está bem."
A sério, sejam compinchas, não mandem uma jovem para me seduzir. Já basta ficar sem um órgão vital, não é preciso destruirem-me a auto estima também. Sim, porque o meu primeiro pensamento numa situação dessas seria "Homessa, a minha performance foi assim tão má que ela sentiu necessidade de me esventrar?". Não é que nunca me tenha acontecido, mas é sempre chato.

2004-11-08

Um dos meus sonhos

Um dos meus sonhos era ser criativo só para, um dia, poder ter esta conversa:
- Então e você o que é que faz?
- Pois, eu... sou criativo.
- Ah, criativo, que bem. E cria o quê?
- Queria um café e um pastel de nata, se faz favor.

Love me tender

Lembram-se da música que dizia "cartas de amor quem as não tem"? Pois a resposta a essa pergunta seria "eu". Nunca recebi uma carta de amor. Aliás, sou tão desprezado que nem o vírus "I love you" recebi. Mas em compensação enviaram-me um outro chamado "I hate your freakin' guts and I hope you die in a very unpleasent way - maybe something involving a sharp stick". Mas estou a divagar. A verdade é que este é um assunto sensível para mim. Quando me sento na tenra relva do jardim com os meus amigos a falar das coisas bonitas da vida, como os arco-íris, os pandas e o amor, sinto sempre uma certa angústia quando penso que, ao invés deles, nunca fui alvo de doces palavras escritas. E foi por isso mesmo que entrei num programa de correspondência com presidiárias. Achei que seriam pessoas carentes e que facilmente cederiam a trocas de palavras ternas que as ajudasse a passar as frias noites do inverno que se aproxima e que, simultâneamente, preenchessem esse vazio na minha vida. Mas, aparentemente, enganei-me. São, claro, pessoas ávidas de comunicação com o exterior, mas até agora nenhuma me tratou por "fofinho" ou por "chocolatinho crocante", nem tão pouco me juraram amor eterno. Sim, claro, mandaram-me fotografias badalhoco-eróticas e prometeram-me actos sexuais perversos, alguns deles provavelmente ilegais na maioria dos países da União Europeia e capazes de fazer corar até a Sonja e a Ljubinka, as gémeas siamesas checas que conheci em Amesterdão, mas nada mais que isso. E não é esse fugaz prazer carnal que procuro mas antes um prazer espiritual mais gratificante e duradouro. Por isso, se me estás a ler, sê uma alma caridosa e manda-me uma carta de amor, pois minh'alma não mais pode chorar. Se fores do sexo feminino, claro, caso contrário continua a mandar-me pornografia como até agora.