Curto
"... de maneiras que, no vôo de regresso de Tânger, no domingo, dei de caras com o Sean Connery na fila para a casa de banho. Ainda tentei disfarçar, mas percebi que ele me tinha reconhecido e que me vinha falar. Felizmente o urso interrompeu-o, que eu não estava com paciência para falar com ele."
"O urso?"
"Sim, um urso polar que estava a ser transportado para o zoológico soltou-se, invadiu a cabine e começou a estraçalhar hospedeiras e passageiros. Era só sangue, sapatos e membros desfeitos a voar em todas as direcções. Como ninguém fazia nada que não fosse gritar e sangrar, cheguei-me eu à frente e mandei-lhe um sopapo no focinho. Ao princípio ficou atarantado mas depois começou a grunhir, por isso desatamos ao soco e à patada até que o apanhei numa chave de braço e o sufoquei até ele perder os sentidos. Nisto o terrorista levanta-se e grita qualquer coisa sobre a Torre Eiffel ou Napoleão ou lá o que era."
"Terrorista?..."
"Iá. Queria desviar o avião para Toulouse ou Toulon, não me lembro, porque a tia o tinha excluído das partilhas e dizia que a vinha era dele e não dos primos. Aproximei-me dele devagarinho e pedi-lhe que não se enervasse e que tinha um croissant no bolso e que lho dava se me deixasse ser amigo dele. Ele acreditou-se e assim que me aproximei o suficiente dei-lhe um rotativo na testa e as pessoas começaram todas a aplaudir e erguer-me em ombros e as mulheres todas a dizer que eu devia ser sexualmente muito competente e que era um orgasmo com pernas e que queriam ter os meus filhos e isso tudo. Palavras delas. Foi quando o avião começou a cair porque o piloto teve um ataque cardíaco."
"O pil... e o co-piloto?"
"Também. Tiverem os dois ataques cardíacos, mais um assistente de bordo e uma velha. Diz que é contagioso em ambientes muito apertados. Também não sabia, mas foi um médico meu amigo que me explicou. E quando perguntaram se alguém sabia pilotar um avião toda a gente olhou para mim. Até o Sarcozy me telefonou a pedir que o fizesse e a dizer que «ah, je te donne une voltinhe dans Carla Bruni aprés, et ça» e eu acedi apesar de estar um bocadinho cansado por ter passado a noite anterior a fazer amor com a equipa sueca de extreme bikini. Tinha fotografias para vos mostrar de umas posições novas que inventei e tudo, mas a máquina partiu-se. Acho que foi quando matei o urso."
"Então o urso não tinha ficado inconsciente?"
"Não... esse foi o urso polar, este era outro, quando ainda estava no aeroporto. Entrou lá de repente e como já tinha um bebé na boca tive que o matar com um golpe de karaté. Ao urso, porque o bebé fui eu que o ajudei a nascer enquanto fazia o check in, porque rebentaram as águas à senhora atrás de mim e como estavam todos a entrar em pânico fiz eu de parteiro apesar de ter sapatos de camurça. A senhora até disse que a partir de agora todos os bebés da família dela vão ter o meu nome, mesmo que sejam raparigas. Não vos tinha contado esta parte? Mas prontos, lá fui eu para os comandos do avião. Como tive o X-Wing para Spectrum e tenho uma coordenação motora de nível olímpico e nervos de aço, aquilo até foi fácil. Como o trem de aterragem não funcionava aterrei de barriga no jardim da Gulbenkian, liguei os quatro piscas e vim-me embora. As pessoas todas queriam que eu ficasse para me darem medalhas e lingotes de ouro e isso, mas eu queria ir para casa para ver o jogo do Benfica. E o vosso fim de semana como foi?"
Acho que os meus colegas começam a desconfiar que eu invento as histórias que conto sobre a forma como passo os meus fins de semana, mas narrativas sobre o tempo que passo deitado no sofá a recolher o cotão acumulado no umbigo não me parecem muito interessantes.