Trancas à porta
Qualquer pessoa que alguma vez chegou a casa apenas para encontrar a porta arrombada e o interior virado do avesso decerto sabe o choque que isso representa. Somos tomados por um sentimento de privacidade violada, uma sensação de insegurança e pelo receio de que alguém tenha encontrado a caixa onde guardamos toda aquela pornografia japonesa que só é possível adquirir na internet e que nos chega às mãos em embalagens descaracterizadas que nos protegem dos olhares reprovadores e enojados dos vizinhos, como os que a nossa mãe nos lançava quando encontrava os desenhos a lápis de carvão que fazíamos da nossa prima em imaginativas actividades lúdicas de cariz intímo.
Quando, há vários anos atrás, fui confrontado pela situação em causa, a minha primeira reacção foi de um incaracterístico optimismo. "Olha", pensei eu, "queres ver que um grupo de mulheres a dias demasiado zelosas me veio limpar a casa? Ou será que o Pai Natal este ano veio mais cedo para evitar o trânsito do fim do ano?"
À medida que ia caindo em mim, passeando por entre o caos das gavetas despejadas e armários remexidos, e uma vez feito o inventário do que faltava - dinheiro, uns óculos escuros e a máquina que usava para rapar o cabelo, o que levaria a polícia a procurar por um careca extremamente estiloso a passear de táxi - um sentimento de indignação apoderou-se de mim. Não por um estranho ter usado e abusado da minha casa como se de uma daquelas raparigas que se oferecem na noite a quem pagar o próximo shot de tequila se tratasse, mas pelo que o ladrão deixou. "O quê? O meu discman não é suficientemente bom para ti, ó agarrado? E deves ter cds melhores lá na barraca, se calhar." Estava revoltado, mas era claro que se tinha tratado de um larápio gourmet. Um especialista. Um Arsène Lupin que, decerto, chuta apenas o mais exótico e fino dos cavalos. Fui roubado, sim, mas por um tipo com categoria, acostumado ao que de melhor as outras pessoas têm para oferecer. No entanto não pude deixar de me sentir como daquela vez em que o indivíduo com perturbações mentais que dormia no contentor do lixo ao fundo da rua me disse que eu tinha um odor corporal algo acentuado, e não de uma forma agradável.
Como nota final gostaria de avisar qualquer meliante que esteja a ler isto que não tenho nada de jeito em casa, e que por isso não vale a pena incomodarem-se a lá ir - a menos que gostem de livros do Irvine Welsh, mas se optaram por uma carreira na área do crime, vou arriscar a dizer que a única coisa que lêem é o menu da McDonalds e a lista de constituintes tributáveis da autarquia a que presidem.
33 Comments:
Ah ah ah ah ah
Isto está fantástico.
Então sempre tentas ser optimista.
Os larápios são sempre agarrados?
Por isso é que foi incaracterístico.
Há uns que são drógádos.
Ah ah ah ah
E a polícia foi a tua casa? Ou nem te deste ao trabalho de fazer queixa?
O mais chato é deixarem a casa de pernas para o ar. Não têm educação nenhuma!
Os ladrões também não.
A própria polícia disse que a probabilidade de recuperarem alguma coisa era extremamente remota. O pior foi dormir uma noite com a porta de casa aberta, o que para alguém com elevados níveis de paranóia é difícil.
Não se deram ao trabalho de procurar os teus óculos de sol? Cambada, pagamos nós impostos para isto.
Dormiste em casa mesmo assim? Eu tinha ido para casa da minha mãe a chorar, enfim, se estivesse perto dela.
Pois, mas eu não sei a morada da tua mãe.
Não sei o que será mais triste, se é assaltarem-nos a casa, se é menosprezarem as coisas que temos como mais importantes ao ponto de nem sequer as roubarem...
Que sorte a tua. ela ainda aproveitava a tua presença para te pedir que lhe mudasses os móveis de lugar e colocar o lixo na rua.
RZ,
Exacto. Fez-me pensar, momentâneamente, que o quadro dos cães a jogar às cartas que tinha no quarto não tinha valor.
Nawita,
Há assim tanto lixo que precise de um portento de músculos como eu para o transportar?
O tal quadro que era suposto estar na recepção de um certo e determinado escritório que uns e outros me convenceram a alugar com vista à exploração de um inovador e rentável negócio? É desse quadro dos cães a jogar às cartas que estás a falar?
Tu foste assaltado???
o AD foi assaldado?
Ele foi assaltado???
Com textos destes, arriscas-te é a roubar-me o coração.
Gata,
Se bem me lembro tu deixaste bem claro que preferias o quadro de veludo com o Pierrot pintado.
Isa,
Assalariado. Assim é que é.
Grassa,
Se o fizer juro que o guardo e que não o vendo na Feira da Ladra.
Que disparate! Por que é que eu havia de querer esse quadro piroso? Eu tenho bom gosto, ora essa!
Tu tens é bom gasto. Por isso é que já vais em três maridos falecidos e sempre a embolsar heranças chorudas.
Pá, não tenho culpa de me apaixonar sempre por homens mais velhos e com tendência para a doença. Eu sou assim, caridosa...
Com tendência para a doença e para os acidentes, ou não tivesse o último morrido após se ter esfaqueado acidentalmente nas costas enquanto se barbeava.
Eu tenho recibos de portagem que provam que nesse dia não estava lá.
Ainda se vai mas é descobrir que tens uma irmã gémea sem ninguém saber, como o Batman ou o Wolverine, não me lembro agora, no filme The Prestige.
Não sei do que falas, mas se tem prestígio sim, deve ter a ver comigo.
Pois não estavas Gata.
Eu sou testemunha. Estavas com a Isa e comigo a comprares uns brincos de diamante para nos ofereceres.
Uma alma caridosa e bondosa como tu jamais “despacharia” alguém dessa forma.
Gata,
Ah, se não viste o filme não te quero estragar o twist final que era o de o Batman (ou o Wolverine) ter um irmão gémeo.
Também queres ter as mãos sujas com o sangue dos inocentes, Nawita?
Nawita,
isso, diamantes!
AD,
isso, gémeas!
AD,
Estás a falar do boato que corre por aí sobre os diamantes?
Das pessoas que são exploradas e que por vezes morrem para extrair as pedras?
Isso é tudo mentira. Os diamantes saem da montra da Tiffany.
Gata,
Sim, isso e chocolate quente!
A Tiffany Amber Thiessen? Sim, já teve uma montra interessante.
Já estamos a falar de copas outra vez?
AD,
Não sei quem é essa.
Estou a falar da Tiffany & Co, ao pé da Van Cleef & Arpels.
Gata,
em joalharia diz-se busto. que serve de montra para os colares.
Nawita,
eu estava a falar de mamas, mesmo.
E, por mim, podes continuar.
Gata,
:):)
Sabes que é a tal da Tyffany do AD?
Isa - Diamantes!
Chamaram???
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