2010-01-21

Mateus

O Mateus era um tipo abrutalhado. Não era por mal, era a sua natureza. Certa vez, depois de ter faltado dois dias, a directora de turma perguntou-lhe a razão, ao que ele respondeu, candidamente e com um encolher de ombros, "tive caganeira". Ela tentou disfarçar o riso, nós não.

O Mateus travava uma luta diária com a literacia, e estava a ganhar. Num teste de Português copiou pelo Nuno, e quando o Mateus copiava, o Mateus copiava mesmo: palavra por palavra - o que, curiosamente, não passou despercebido à professora.

Gostávamos de jogar à sueca com o Mateus porque dizia "trrunfo" e porque fazia passagens para apanhar a manilha que corriam sempre mal. Não gostávamos de jogar às cartas com o Mateus porque demorava eternidades a jogar, mesmo que só tivesse uma carta na mão.

Uma vez gabou-se de ter beijado a Joana. Tinha bebido da mesma lata de Seven-Up e, explicou ele, pela regra da transferência isso era o mesmo que tê-la beijado. Não era, asssegurou-lhe o Paulo Jorge, que ia diariamente para trás do refeitório com a Ana Patrícia dar linguados e por isso era entendido no assunto.

Às vezes fazíamos concursos a ver quem conseguia fazer chegar um fio de cuspo mais perto do chão e voltar a sorvê-lo e ele ganhava sempre. Até conseguia puxar papéis do chão, se levasse gosma na ponta. Não folhas A4 ou cartolinas, mas os papéis das Gorila e isso.

Nas aulas de Educação Física o Mateus perguntava às raparigas se lhe queriam ver a pila. Elas diziam que não, mas ele mostrava na mesma. Mas quando jogávamos ao mata, todos queriam ficar na equipa dele, porque ele levava aquilo muito a sério e a probabilidade de alguém morrer era bastante real. O Rui que o diga, que levou uma bolada na nuca e ficou o resto da aula a babar-se no chão do ginásio.

O problema do Mateus era ser muito competitivo. Uma vez fizemos um concurso para ver quem conseguia suster a respiração por mais tempo. O Diogo aguentou quase dois minutos, até ficou azul e tudo, mas o Mateus ganhou. Morreu mas ganhou.

22 Comments:

Blogger Nawita said...

O Mateus, paz à sua alma, era um rapaz tenaz.

Que bela homenagem, é o epitáfio perfeito para o túmulo do Mateus.

21/01/2010, 15:29:00  
Blogger AD said...

Até porque nenhum epitáfio está completo sem a palavra "pila".

21/01/2010, 15:42:00  
Blogger Nawita said...

Ah ah ah ah ah
Claro, embora de curta duração, a pila do Mateus também merece ser mencionada.
Sendo ele como era e se lhe tivesse sido dado mais tempo, juntos teriam sido capazes de grandes feitos.

21/01/2010, 15:46:00  
Blogger grassa said...

Já bebi muitas garrafas do teu amigo, sabias?

Dele e do resto da família Rosé.

21/01/2010, 16:34:00  
Blogger AD said...

Há quem seja cremado e quem seja engarrafado.

21/01/2010, 16:44:00  
Blogger Nawita said...

Lembro-me de ver um episódio das séries de Hitchcock em que um homem mata outro e depois faz um vaso com as cinzas dele.
Isto meus amigos é que é reciclar!

21/01/2010, 17:11:00  
Blogger Nawita said...

Onde será que fazem workshops de olaria?

21/01/2010, 17:12:00  
Blogger AD said...

No filme Ghost acho que há um...

21/01/2010, 17:20:00  
Blogger A said...

o mateus não era um doce?

21/01/2010, 17:25:00  
Blogger Nawita said...

Aprender olaria com um morto. Tem lógica.
Mas ainda assim prefiro os vivos.

A,

Doce? Isso não é o Dom Rodrigo?
Ontem vi uma cena criminosa, Dom Rodrigo com gelado de baunilha e natas, isto dar cadeia.

21/01/2010, 17:27:00  
Blogger AD said...

A,
Sim, era um doce de moço.

Nawita,
A Dominique Rodrigo outra vez?

21/01/2010, 17:32:00  
Blogger A said...

tiveste muita sorte em conhecê-lo... eu não tive assim amigos altamente, pensando bem, eu não tive amigos.

21/01/2010, 17:33:00  
Blogger Nawita said...

AD,
Tanta gente a comer dessa Dominique não percebo como é que ainda não se acabou.


A,
Isso quer dizer que não fizeste concursos de cuspo?

21/01/2010, 17:37:00  
Blogger A said...

fiz parte do concurso de cuspo... mas não estava a cuspir.

21/01/2010, 17:39:00  
Blogger Nawita said...

Ah ah ah ah ah ah ah ah ah
Oh meus deus!


Eras o júri não é? Ou juiz de linha ou sei lá quê.

21/01/2010, 17:41:00  
Blogger AD said...

Fiscal de cuspo, Nawita. É assim que se diz.

21/01/2010, 17:42:00  
Blogger Nawita said...

Obrigada AD.

A,
Fiscal de cuspo, é isso que tu eras. Acertei?

21/01/2010, 17:45:00  
Blogger A said...

prefiro não falar sobre isso...

21/01/2010, 18:02:00  
Blogger Nawita said...

É um dos artigos que vais vender na tua venda de garagem?
Eu vou vender os trabalhos que fiz nas aulas de têxteis e a gargalhada de gozo da minha professora.

21/01/2010, 18:09:00  
Blogger tiagugrilu said...

- Quanto é que estás a pedir pela gargalhada de gozo?

22/01/2010, 14:49:00  
Blogger Isa said...

Muito bom AD!

Tiveste grandes amigos que te prepararam muito bem para a vida. Devias ser-lhes eternamente grato por isso.

Doravante e de cada vez que beber um Mateus, lembrar-me-ei do defunto e consequentemente, de ti.

22/01/2010, 14:50:00  
Blogger Nawita said...

Grilu,

Tendo em conta que é uma gargalhada que exprime não só o gozo como enjoo, desdém, repugnância, outros sentimentos em ém e ância, assim como a garbosidade de quem dá a gargalhada, peço a módica quantia de 100€.

Mas olha que é um bom investimento.

22/01/2010, 14:59:00  

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