Sem título #1
Os meus pais perguntam-me muitas vezes o que é feito daquela rapariga ruiva simpática com quem eu terminei abruptamente um relacionamento amoroso há já alguns anos. Acho que é a maneira subtil de eles me dizerem que vou morrer sozinho embrulhado numa manta num banco de jardim onde os pombos debicarão depois a minha carcaça.
"Sei lá da gaja", digo eu encolhendo os ombros.
Nunca lhes cheguei a dizer a razão pela qual tudo acabou. Nunca me apeteceu fazê-lo. Sou demasiado preguiçoso para aspirar e para dar explicações. No entanto até era fácil, o que não me faltavam eram argumentos.
Podia argumentar, por exemplo, que ela era demasiado alta para mim. Bom, na realidade ela era da minha altura, mas os saltos altos aliados ao meu debilitante complexo de inferioridade faziam-na parecer ter 2,10 metros. Ou andava com uma lista telefónica debaixo do braço para me pôr em cima ou só nos beijávamos sentados.
Podia ainda argumentar que, apesar da sua alva pele, tão alva como a minha, aliás, bastavam-lhe duas semanas de praia para passar despercebida em Marraquexe enquanto eu tinha de optar entre manter a minha palidez cadavérica ou adoptar um bonito mas doloroso tom escarlate, o que nos transformava num poster ambulante da Benetton.
Podia argumentar até que foi por ela ter sido namorada do meu primo. Sim, esta é boa, da próxima argumento com esta! Não ao mesmo tempo, atenção, que essa ideia de "cruzar espadas" faz-me espécie, mas mesmo assim dava um arzinho de incesto. Nunca cheguei foi a perceber se isso me excitava ou não. Acho que são os malefícios de anos e anos a consumir tudo o que de mais depravado e inenarrável a internet tem para oferecer, acabamos por ficar dessensibilizados para a vida real.
Podia ainda acrescentar ao rol o facto de o filme preferido dela ser Um Porquinho Chamado Babe. A sério, nem sequer estou a brincar, um filme com animais que falam - e que não era de animação! - era o preferido dela. Se fosse numa época em que os únicos filmes disponíveis eram os das entradas e saídas dos empregados da fábrica Lumière ainda vá, mas não, em pleno século XXI era um porco falante que a cativava. Enfim, diga-se o que se disser, pelo menos era coerente nos gostos.
Mas não foi nada disso.
Sabem aqueles momentos raros de clareza que às vezes temos? Não estou a falar de epifanias avulsas; estou a falar do tipo de coisa de que os monges budistas octagenários são feitos. Como naquele instante imediatamente antes de adormecer em que temos a perfeita noção do nosso ser e a certeza de que Deus existe, mesmo que sejamos agnósticos ou ateus convictos, porque, foda-se!, somos cosmicamente demasiado importantes para não passarmos de mais que simples e insignificantes produtos descartáveis à base de carbono com prazo de validade. Esse tipo de momento, estão a ver? Iá, foi isso.
Só que o meu momento foi ao vê-la a rabiscar suásticas no canto da página da TV Guia enquanto via o Preço Certo. Foi aí, nesse instante, que percebi que tinha acabado. Aliás, nunca tinha começado, não na verdade, porque eu, eu propriamente dito, nunca lá tinha estado. Foi como se tivesse tomado o comprimido vermelho. Mas para ser honesto, até hoje, não sei qual das duas coisas me despertou, se as suásticas se o facto de ela ver o Preço Certo.
26 Comments:
ahahahahahahaahh, deus existe... ahahahahhahahah!
e, lamento, adêzinho, mas não somos cosmicamente importantes e tanto somos construtos de carbono como poderíamos ter sido de silicio. Somos sim um acidente cósmico, isso sim.
Mas isto sou eu, que sou ateia e não encontro lógica na existência de um velho de barbas rezingão.
Eu diria produtos biodegradáveis ahahaha.
"Eu não sou sua mamãe porque você é um porrrco!"
É tudo o que guardo do filme Um porquinho chamado Babe.
Já TV Guias dos anos 80 com a Suellen do Dallas na capa guardo aos montões! Sim, que a Suellen estava para as capas das Tv Guias dos anos 80 como os Xutos estão para as capas das Blitz dos anos 00.
Tenho cá para mim que as suásticas mais não são do que sinais de mais com floreados.
Nazismo era sinal de matemática amaricada.
A cena do genocídio dos judeus mais não foi do que uma mera confusão.
E ela ao menos acertava muita vez no valor do prémio final?
- Se não, fizeste bem em esquecê-la. Por outro lado, se acertava... Era retomares a relação e inscrevê-la de imediato no programa do gordo. Ainda ganhavas um carro, ou uma moto 4, ou até um fim de semana na Madeira para 2 pessoas...
Isso não sei, nunca vi um Preço Certo até ao fim. Eu prefiro investir tempo e dinheiro a ligar para a SIC de madrugada a tentar adivinhar apelidos começados por A.
O genocídio foi uma operação de subtracção.
Vani,
A lógica não dita a existência, e só porque não vês algo isso não quer dizer que não esteja lá. Também nunca viste o meu primo mas ele existe.
Gata,
E afinal quem é que matou o J. R.?
AD,
foi o pai!
Ai, não, esquece, o pai matou foi a Laura Palmer!
A Laura Palmier? Matou-a à dentada?
Post suberbo! Tenho que o ler outra vez.
Porque é que os pais têm a mania de nos perguntar pelos ex-namorados? quem é que guarda registo dos ex-namorados? ninguém quer saber por onde é que eles andam, a não ser que sejam uma ameaça de morte, a nossa morte, aí convém mudar de país.
"nazismo era sinal de matemátima amaricado". Isto está muito bom!
Quase tão bom como o teu texto AD.
Os textos do AD são sempre melhores do que qualquer coisa que eu diga/escreva/cozinhe/faça sexo com.
Já disse, inclusive, à minha gaja para me deixar e casar e ter filhos com um dos posts do AD.
Ficava melhor servida, sem dúvida.
E ela depois adoptava-os é?
Então e eu posso ter filhos com os teu posts? não precisavamos casar nem nada. Ah! e com os do AD também! e com as fotos do Grilu! e com os desenhos do A!
É.É um facto. Eu sou uma mulher da
vida ...
Eu não sou de fazer juízos de valor, mas acho que conseguias convencer os meus posts e os posts do AD a fazerem qualquer coisa contigo...
As fotos do grilu parecem-me mais na onda do voyeurismo.
E os desenhos do A... pronto, são os desenhos do A.
Não tenho nada contra manifestações de arte daquela orientação sexual. Nada mesmo. Até já podem casar em Portugal e tudo, portanto...
Até os meus posts têm vidas mais interessantes que eu.
Portanto resumido e espremido, temos ali dois problemas de aguda solvência, certo? opto então pela fertilização in vitro.
obrigado, AD.
Err... de nada?
O que eu curtia de fotografar uma alta javardice entre gajas, posts e desenhos animados, pá...
Mas se os posts e os desenhos animados não aparecerem também não é por isso que se deixa de filmar.
Enviar um comentário
<< Home